Léo Alves diz que governo deve ter servidor como parceiro e não como inimigo

Os funcionários públicos, historicamente culpados pelas mazelas do país, devem ser os principais parceiros de um governo competente e honesto. Esta é a visão do professor de Direito Administrativo Léo da Silva Alves, que leciona em Escolas de Governo, Escolas de Contas e Escolas de Magistratura em todo o país. Nesta conversa, ele explica os frequentes conflitos que ocorrem entre governantes e administradores e diz que o próximo presidente da República deve adotar uma política moderna de gestão, valorizando a mão de obra do Estado e disponibilizando os recursos para que os profissionais trabalhem com bons resultados “Já vi médicos chorando nos corredores de hospital público por não ter material para socorrer uma pessoa em sofrimento”, diz o jurista.
A seguir, a entrevista.
BLOG – Como você vê o ânimo dos funcionários públicos no atual contexto do país?
LÉO DA SILVA ALVES – Prefiro ver o papel dos servidores dentro de um contexto de governo honesto e decidido a prestar serviços públicos decentes. Atualmente a situação dos funcionários, imagino, é de vergonha com tudo o que está acontecendo. Muitas vezes sem os mínimos recursos para o trabalho, são eles que escutam na ponta o desespero e a revolta da população.
BLOG – Qual é o papel dos servidores dentro de um governo?
LÉO DA SILVA ALVES – Vamos separar, a princípio, as duas figuras que compõem as ações do Estado: governo e administração. O governo é o cérebro, é a parte que produz estratégias, que define programas, que elege prioridades; a administração é a estrutura que executa a vontade do governo. Esses dois segmentos devem trabalhar em harmonia. O governo não conseguirá cumprir as suas metas sem uma administração eficiente; a administração não conseguirá ser eficiente se não tiver o apoio do governo. Por isso o governante precisa estabelecer nas suas prioridades o oferecimento de condições humanas e materiais necessárias a quem faz as coisas acontecerem. Hoje existe um descompasso; esses dois lados não se comunicam entre si. O governo põe a culpa da incompetência nos funcionários; e servidores, por sua vez, reagem contra governos que não lhes dão o devido valor.
BLOG – Os governos costumam reclamar que não tem recursos...
LÉO DA SILVA ALVES – Não há recursos que bastem nas mãos de corruptos e incompetentes.
BLOG – E quais seriam os recursos ideais?
LÉO DA SILVA ALVES – Há dois tipos de recursos que refletem na vida e no trabalho dos funcionários públicos. O recurso financeiro relacionado à folha de pagamentos e os recursos que dizem respeito às condições de trabalho. A parte salarial, por exemplo, deve corresponder, no mínimo, àquilo que os profissionais ganham em atividades similares no meio corporativo e, em muitos casos, se justifica remuneração a maior em vista das responsabilidades que os agentes públicos possuem, diferentemente de quem é contratado pelo sistema da CLT. Mas se vê uma grande disparidade: geralmente os mais dedicados e os que verdadeiramente produzem são os que recebem menos; os cargos de maior remuneração são reservados para pessoas que se valem das relações pessoais e às vezes passam o dia sem produzir absolutamente nada.
BLOG – Propõe uma revisão salarial?
LÉO DA SILVA ALVES – É evidente que o governo deve colocar nas prioridades a correta remuneração para aqueles que compõem a estrutura produtiva; ao inverso do que acontece. Veja o caso do Rio de Janeiro, em que os servidores do quadro permanente ficam meses sem receber salários? Isso ocorre com os servidores em cargos em comissão, que ganham mais e produzem menos? Veja o caso de agentes da Polícia Federal que são enviados em complexas missões sem receber previamente a verba de diárias. Isso se dá com parlamentares e altos assessores ministeriais quando se deslocam? Observe a remuneração dos doutores das universidades públicas. Eles ganham mais ou ganham menos do que um assistente de assessor de coisa alguma?
BLOG – Qual é a sua proposta?
LÉO DA SILVA ALVES – Proponho que um governo íntegro e corajoso enfrente essa disparidade e privilegie a quem trabalha, a quem atende a população, a quem está nos hospitais, escolas e universidades; na segurança, nas fiscalizações, nos postos de atendimento. Estes têm preferência na pauta salarial.
BLOG – Você também falou em condições materiais.
LÉO DA SILVA ALVES – É elementar que quem dá a tarefa deve garantir os meios. Como ficam os professores de 53% das escolas públicas que não têm luz elétrica, água encanada e instalação sanitária? O que passa na cabeça do enfermeiro que não encontra um pedaço de gaze para um curativo de emergência, enquanto o paciente grita de dor? Se há médicos que fogem do plantão por falta de caráter, de controle e de gestão, há médicos que são heróis: há policiais e bombeiros que fazem partos substituindo o atendimento de urgência que nem sempre é disponível; há servidores da área administrativa que compram material para trabalhar porque o estoque acabou e a tal licitação não foi feita. Essas pessoas geralmente não têm o respeito dos governantes e o reconhecimento do Estado.
BLOG – Você fala em reconhecimento. Além do aspecto material e salarial, o que você quer dizer com reconhecimento?
LÉO DA SILVA ALVES – Está na lei que além dos planos de carreiras, os servidores fazem jus a elogios, diplomas, medalhas e condecorações. Qual é o governante que respeita isso? Veja nas solenidades em Brasília quando são distribuídas medalhas: é uma autoridade a homenagear outra, é a Câmara dos Deputados a conceder honraria a ministro e é Ministério a condecorar parlamentar. Os servidores, aqueles que fazem a administração funcionar, não entram nesse pacote.
BLOG – Qual é a sua ligação com os servidores?
LÉO DA SILVA ALVES – Fui procurador federal, obviamente concursado; estive na administração central do INSS na capital federal; ajudei a fundar a Associação Nacional dos Procuradores da Previdência Social e fui vice-presidente nacional. Conheço por dentro como funciona o serviço público, com os méritos dos seus agentes e as deficiências da gestão. Como advogado, atuo basicamente na defesa de funcionários perseguidos pelo rolo compressor da burocracia.
BLOG – Também como professor...
LÉO DA SILVA ALVES – Desde os anos 1990 treino quadros da administração pública em todo o país, como professor em Escolas de Governo, Escolas de Contas, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia. Sei o que acontece nas entranhas dos palácios, da caserna e das mais simples repartições.
BLOG – Considera que o seu trabalho nesses anos valeu a pena?
LÉO DA SILVA ALVES – Se de um lado uma andorinha só não faz verão, posso dizer que na última década sozinho eu fiz mais pelo serviço público do que todo o Congresso Nacional. Vou explicar a economia de modéstia: ajudei a humanizar as corregedorias, que eram tribunais de exceção. Levei para o controle da disciplina indicativos da psicologia jurídica, da sociologia, da medicina legal, da assistência social; regulamentei o sistema de fiscalização de contratos, que era uma bagunça; fui autor de anteprojetos de lei e de minutas de normas para servidores que hoje são usadas em todas as unidades da Federação. Não há um Estado, um grande Município ou um Ministério que não tenha uma marca desse trabalho É uma questão de aritmética: somados todos os textos, eles superam a produção das duas Casas do Parlamento nas duas últimas legislaturas. Mas evidentemente ainda falta vontade política para que se faça mais e melhor.
“Você sabe quantos professores sofrem depressão profunda? Quantos policiais buscam a fuga do suicídio? Quantos funcionários contraem doenças oportunistas pela pressão de narcisistas destrutivos que agem sem controle nas repartições públicas? Você sabe quantos talentos deixam de servir ao Estado e são aproveitados no exterior?”